"ORVIL" O LIVRO SECRETO DA DITADURA MILITAR: A MANIPULAÇÃO DA NARRATIVA QUE ELEGEU BOLSONARO

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O Livro Secreto da Ditadura Militar: Ecos de um Passado que Insiste em Retornar


O Brasil viveu, entre 1964 e 1985, sob um regime militar que impôs censura, tortura e repressão a qualquer forma de oposição. Mesmo décadas após o fim da Ditadura, o passado permanece como uma sombra, dividindo a sociedade entre os que buscam reconstituir a história e os que tentam esconder os vestígios de um dos períodos mais sombrios da nação. Um desses tentáculos da Ditadura é o enigmático "Projeto Orvil", um livro secreto escrito pelos próprios militares para recontar sua versão sobre os eventos que marcaram os anos de chumbo. E, ao que tudo indica, suas ideias ainda reverberam nas forças armadas e no discurso político contemporâneo.


A Construção de uma Narrativa: O Orvil e a Resistência Militar


Em 1986, um grupo de militares, incomodados com a crescente narrativa que emergia sobre a repressão, decidiu montar uma contra-história. Criaram o que ficou conhecido como "Projeto Orvil", um documento com quase mil páginas que reunia relatos e informações sobre a atuação das forças armadas durante a Ditadura Militar. Sob a supervisão de Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército, o projeto tinha como objetivo apresentar uma versão alternativa dos fatos, sublinhando o papel das forças militares como defensoras da ordem contra a ameaça comunista.


O livro era uma resposta direta ao crescente movimento de abertura política que expunha as atrocidades cometidas pelo regime, incluindo a tortura, o desaparecimento forçado e os massacres contra militantes de esquerda. Ao contrário da história que os setores da esquerda, jornalistas e militantes começavam a contar, os militares queriam resgatar o tom heróico de sua atuação, pintando suas ações como necessárias para a defesa do país contra o comunismo.


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Versão Alternativa ou Manipulação da História?


Entre os relatos do Orvil, há detalhes sobre eventos como o Congresso da UNE de 1968, em Ibiúna, que, segundo o livro, estaria repleto de drogas e de cenas de promiscuidade, como se os militantes de esquerda fossem incapazes de lutar por uma causa sem cair em excessos morais. Este tipo de narrativa, repleta de estigmas e acusações infundadas, tem como objetivo reverter a imagem de heróis dos opositores da Ditadura, apontando-os como subversivos perigosos e violentos.


Mas, apesar da construção de uma versão distorcida dos acontecimentos, o Orvil revelou, sem querer, informações inéditas que são essenciais para a compreensão desse período. O livro fez menção de ações militares e de mortes de militantes que, até hoje, permanecem como desaparecidos. O que o Orvil demonstra, na verdade, não é apenas uma tentativa de manipular a narrativa, mas também uma necessidade de os militares se manterem no controle de sua própria história.


A Relação com o Pós-Ditadura: A Influência Persistente


Após a queda da Ditadura, com a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil passou a viver sob um regime democrático. Mas as Forças Armadas, especialmente o Exército, não estavam dispostas a aceitar passivamente a "nova ordem". Os relatórios de inteligência do Exército, como os Relatórios Periódicos Mensais (RPM), nos quais o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho e outros oficiais se debruçaram sobre a "ameaça" das esquerdas, revelam que, nos bastidores, os ideais da Ditadura continuavam vivos, alimentando uma resistência contra a mudança.


Avellar Coutinho foi um dos responsáveis pela propagação dos ideais do Orvil dentro da instituição militar. Mesmo com o veto de José Sarney à publicação do livro, o conteúdo do projeto foi disseminado internamente, tornando-se uma referência para os relatórios do Exército, onde a "ameaça comunista" e a "tentativa de tomada do poder" eram discutidas de maneira constante. O medo de uma "quarta tentativa de tomada de poder", agora por meio da manipulação da opinião pública, ganhou força, e os militares continuaram a se posicionar como os protetores da ordem.


Ecos na Política Contemporânea: Do Orvil ao Discurso Bolsonarista


O mais alarmante, porém, é a presença dos ideais do Orvil no discurso e nas ações do atual governo brasileiro. Jair Bolsonaro, seu vice Hamilton Mourão e outros membros do governo têm se mostrado defensores de uma versão da história que ecoa a narrativa do Orvil. Em diversas ocasiões, Bolsonaro e sua equipe de ministros exaltaram o "Movimento de 1964" como uma ação legítima para proteger a democracia, um argumento diretamente inspirado nos relatos militares da Ditadura. A tentativa de se reescrever a história e de justificar os crimes cometidos, como os assassinatos e a tortura, ainda persiste de forma explícita, seja em publicações em redes sociais ou em encontros com antigos militares envolvidos na repressão, como o coronel Sebastião Curió.


A questão que se coloca é: até que ponto o Brasil realmente conseguiu superar a Ditadura Militar e consolidar uma democracia plena? Os documentos secretos e as narrativas militares continuam a ser elementos presentes nas instituições, alimentando um discurso que ressurge periodicamente, como se o passado ainda fosse um território de disputa.


O Passado Que Nunca Se Vai


O "Projeto Orvil", apesar de sua tentativa de reescrever a história e proteger os responsáveis pelos crimes da Ditadura, acabou expondo mais do que os militares pretendiam. Revelou uma mentalidade que nunca se desvinculou de sua visão anticomunista e que continua a assombrar as instituições, as relações civis-militares e, infelizmente, o discurso político atual. O livro, que foi rejeitado na década de 1980, voltou a ganhar vida nos anos seguintes, encontrando ressonância na retórica do atual governo.


Agora, mais do que nunca, a sociedade precisa olhar para o passado, não com o intuito de revivê-lo, mas para compreender o que ainda ecoa dele em nossas instituições e na política. A história de um país não pode ser silenciada, nem manipulada. O Brasil ainda precisa enfrentar as sombras do passado para que possa seguir em frente de maneira verdadeira e justa.


Matéria embasada na publicação do site 
apublica.org


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